CINTRASEUPOVO

terça-feira, 15 de novembro de 2011

FALAR DA POBREZA


Falar da pobreza

Falar da pobreza, parece estar na ordem do dia, ainda que poucas pessoas procurem conhecer afundo o fenómeno. A pobreza não é uma doença súbita, é uma patologia lenta que nos vai consumindo sem darmos por isso e, um dia, podemos acordamos doentes. Talvez pareça excessivo, mas vou procurar fazer uma análise da evolução portuguesa ao longo dos últimos 100 anos. Tenho 52 anos de idade, o que me coloca na qualidade de observador de, pelo menos, meio século. Convido todos os que me visitam a participarem, não como um debate, mas uma tribuna aberta a todas as opiniões. Vale a pena perder um bocadinho do nosso tempo a pensar no assunto, pois o que se mostra no horizonte, não é nenhum mar de rosas.
Para a elaboração dos meus textos, vou-me socorrer da obra Portugal Século XX de Joaquim Vieira de onde recolherei textos, dados estatísticos e fotografias.

Os últimos anos da monarquia

Estatística referente a 1900

População 5.423.132 (homens 47,8%, mulheres 52,2%) (menores de 20 anos 43,2%, maiores de 60 anos 9,5%)
Excesso nascimentos/óbitos 54.915
População rural 3.367.199 (62,1%)
População industrial 1.034.203 (19,1%)
População das cidades 853.037 (15,7%)
Lisboa 378.083
Porto 173.020
Analfabetos 4.261.336 (78,6%)
Emigrantes oficiais 21.227
Eleitores inscritos 630.000
Funcionários públicos 50.099
Escolas primárias 4.600
Estudantes do ensino primário 231.239
Estudantes do ensino secundário 5.023
Estudantes universitários 2.736
Ordenado dos professores primários 15$000
Automóveis em circulação 177


“A democracia, entregando o poder às classes liberais e emancipando-o da casta, resumiu o papel social da fidalguia”
Carlos Malheiro Dias, Cartas de Lisboa, 1904.

Enquanto a Europa festeja a entrada no século XX, Portugal conserva-se escondido e ignorado ao canto da Península Ibérica. É um modesto país, pequeno e pobre, dominado por um sufocante poder clerical, onde sobrevive um regime de monarquia constitucional, ainda em vigor em 1900.
Numa população de cinco milhões e meio de almas, sete em cada dez vive ainda em freguesias rurais e, dessas quase 90% dependem da actividade agrícola. A luz e o ferro, símbolos do século que terminou, ainda não chegaram.

Só em meados do século XIX são montadas as primeiras fábricas, na sua maioria pertença de estrangeiros. Os tabacos e os têxteis são o produto de uma tardia chegada da revolução industrial, mas sectores fundamentais como a metalurgia são inexistentes. O país é pobre em recursos energéticos para estas indústrias a vapor. A produtividade fabril é cerca de metade da dos países industrializados. Quase todas as indústrias resultam do crescimento das actividades artesanais que servem o mercado da metrópole e das colónias. A população industrial em 1907 não vai além dos 86 mil, dos quais 45 mil são homens, 26 mil mulheres e 15 mil menores. O maior empregador é a indústria têxtil. Um trabalhador significa pouco mais que um bem material posto à livre disposição do patrão para produzir. A lei é quase inexistente no que respeita às condições de trabalho e aos direitos dos assalariados.
A produção de bens, dispersa por muitas indústrias pequenas e artesanais, não responde ao consumo interno. Em 1900, 87% dos produtos que circula nos portos portugueses é de proveniência estrangeira. Exporta matérias – primas e produtos da terra, como o vinho do Porto (este em mãos inglesas).

A revolução industrial cava um profundo fosso entre proprietários e assalariados. É difícil a existência da gente pobre nos campos e nas cidades. Como último recurso, recorre-se à emigração, que pontua a vida social e económica do país.


O progresso pouco contribui para melhorar as condições de vida e, por isso muitos emigram, especialmente vindos das zonas agrícolas, onde por salários de miséria, são obrigados a trabalhar do nascer ao pôr-do-sol. Portugal prepara-se para conhecer a maior hemorragia da sua história. O destino mais sedutor é o Brasil, excepto para os açorianos que preferem as costas dos Estados Unidos. As remessas daí provindas, constituem uma componente essencial do orçamento do Estado e garantem a sobrevivência de milhares de famílias.

Com uma classe média exígua, a estratificação da sociedade portuguesa nos alvores do século é de um contraste radical. Às centenas de famílias que concentram o grosso do poder, da grande propriedade e do dinheiro, opõe-se um exército de desventurados composto por milhões de indivíduos, mal vestidos, mal alojados, mal medicamentados, mal educados e mal assistidos.

Mesmo numa época de crescimento quase primitivo, há sempre quem consiga aproveitar-se da miséria para fazer fortuna. Henry de Burnay, é o protótipo do capitalista, de poder financeiro ilimitado e cupidez desmedida. Duquesa de Palmela, herdeira do título, simboliza o renascer do poder da aristocracia. Grande latifundiária, possui além de terras, inúmeras propriedades urbanas. José Palha Blanco, o mais abastado lavrador do Ribatejo, representa o imenso poder dos grandes proprietários de terras. António Carvalho Monteiro, à frente de um empório comercial, é o mais bem sucedido dos “brasileiros”, emigrantes que regressam com fortuna. É o construtor da Quinta da Regaleira. Francisco Grandella, renovador do comércio a retalho è acusado de vender mercadorias de contrabando, devido aos baixos preços que praticava. Alfredo Silva, mercê de um monopólio de exclusividade e proteccionismo, funda o maior império industrial, partindo da fabricação de sabão. A CUF.
A lenta mas irreversível industrialização, aliada ao regime representativo – que obriga à captação de votos para se ser alguém na política e partilhar do poder – está a provocar uma alteração social subterrânea, quase imperceptível mas definitiva. Quem tem fortuna – e logo influência – já não é apenas a aristocracia (muitas vezes arruinada), mas também a classe empresarial emergente: banqueiros, industriais, importadores, grandes comerciantes e especuladores.

Desde há algum tempo, que no Executivo alternam com rigor rotativo, elencos dos dois grandes partidos portugueses – Regenerador e Progressista. S. Bento é um palco para exibição de tenores. Fazer política é conhecer os dotes da oratória, mais do que saber tomar decisões acertadas para a vida do país.

A província degrada-se mas Lisboa vive na euforia do crescimento, onde os desafortunados do campo chegam em massa. O crescimento é imparável. Destroem-se hortas e casebres. Em 1904 Malheiro Dias escreve: “O pobre foi escorraçado de todos os locais saudáveis e arejados, tangido para Xabregas, para Alcântara, para a Mouraria e para Alfanma. E a Lisboa dos ricos desenvolve-se, prospera, aformoseia-se. Milhares de operários trabalham incessantemente, há quatro anos, em todas as avenidas, na construção de prédios para alojamento dos ricos. (…) O capital está atacado pelo delírio da construção. (…) uma feira de especulação, onde a ganância assentou arraiais e arvorou a sua bandeira.”

Lisboa torna-se comodista, quer tudo à porta, embora pague mais e a qualidade seja duvidosa. O padeiro, o leiteiro (que mugia a vaca na presença do freguês), os aguadeiros, o marçano, a varina, a mulher da fruta, a mulher da hortaliça, a lavadeira que circulava com burros ou carroças, todos lhe batiam à porta. Nas ruas acumulam-se os dejectos dos animais, os lixos mais a água atirada das casas por não haver saneamento. A estes comerciantes ambulantes juntam-se alguns milhares de crianças de rua e das gentes na espera de biscates, muitos deles conhecidos por galegos.
Os mendigos povoam as zonas urbanas, assim como gente a vasculhar o lixo e pessoas sem trabalho ou sem vontade. As casas de penhores são frequentes nos bairros pobres.

O sofrimento dos infortunados começa na infância. Um bebé é mais uma boca para alimentar, o que significa que deve ser (posto na roda) abandonado ou posto a render o mais cedo possível. Impressiona não só a nudez, o pé descalço, os remendos, a insuficiência alimentares, a promiscuidade no alojamento, mas também a luta das crianças pela sobrevivência. São atiradas à rua pelos pais para comporem o orçamento familiar, ignorando a escolaridade obrigatória.
A electricidade tarda em chegar e mesmo quando é instalada em Lisboa, os candeeiros a gás são mantidos, como única iluminação a partir da 1 hora da madrugada. Em 1908 só existiam 293 candeeiros eléctricos nas ruas de Lisboa.

As estradas ainda não estão preparadas para receber os primeiros veículos a motor: leva-se dois dias para ir de carro de Lisboa ao Porto.  

Era  assim  o  meu  País, será  que   alguma  dúvida ?

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