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terça-feira, 15 de novembro de 2011

AS LAVADEIRAS


AS LAVADEIRAS

Cesário Verde, em carta datada de 16 de Julho de 1879, dirigida a Mariano de Pina, refere-se a Caneças, dizendo: “Em Caneças, as lavadeiras acompanham o bater da roupa com um ai enorme, medonho, aflitivo”.

A qualidade da água da Ribeira de Caneças está também ligada à actividade das Lavadeiras, que dividiam as tarefas domésticas com a lavagem da roupa que era, semanalmente, recolhida e entregue na casa das freguesas, sobretudo de Lisboa. É que as casas da cidade não tinham condições nem para fazer a barrela, nem para pôr a roupa a corar.



Para não confundirem nem as freguesas nem as roupas de cada uma, as Lavadeiras tinham o seu rol, onde eram registadas as peças de roupa:

“Três corpetes, um avental

Sete fronhas e um lençol

Seis camisas do enxoval

Qu’a freguesa deu ao rol,”

cantava Beatriz Costa no filme de Chianca de Garcia, “Aldeia da Roupa Branca”.
À segunda-feira, às 5 da manhã, saíam de casa na carroça puxada por machos. A roupa era metida em trouxas, o “albardar”, ou seja, era embrulhada num pano, o “riscado”, tecido de riscas de cor diferente, tendo cada freguesa o seu riscado. Se a roupa era transportada por machos, tinha de ser colocada nos “seirões” (cestos de esparto ou vimes em forma de alforges), que eram içados para o dorso dos animais.


Durante o resto da semana, excepto ao Domingo que era o dia guardado para ir à missa e descansar, as Lavadeiras lavavam a roupa na ribeira para onde levavam pedras de cor cinzenta, pedras “olho de sapo”, que serviam para esfregar a roupa.

Uma vez que “roupa que não é cantada não é lavada”, acompanhavam a sua tarefa cantando canções de amor ou modinhas.
“Ai bate, bate,

Bate a preceito!

Ai bate, bate

Ai bate, bate.

Esfrega co’a mão

Batida a eito

A roupa de feição”

Depois de lavada e separada, consoante era molhada, “cargos” (embrulhada num lençol) ou seca, “carrego” (roupa solta), era levada ao local de estender, onde secava sobre pedras, ervas, arbustos ou estendais, corando ao sol e era frequentemente borrifada até ficar bem branca. Ia outra vez a lavar sendo, finalmente, posta a secar. Depois de seca, era levada para um alpendre, onde era dobrada e embrulhada no respectivo riscado. Assim estavam feitas as trouxas que eram, por sua vez, embrulhadas em sarapilheira para que se não sujassem. Havia as trouxas pequenas e as trouxas grandes, ou trouxas de carroça, que eram revistadas à entrada de Lisboa por um guarda-fiscal, a fim de se evitar o contrabando.
Mais tarde, as Lavadeiras deixaram de lavar na ribeira e passaram a fazê-lo em tanques, os “lavadouros”. Porém, esta actividade, que passava de mães para filhas, conheceu um declínio progressivo, sobretudo nos anos 60, com o aparecimento das máquinas de lavar roupa. Os lavadouros deixaram de ser, apenas, para utilização exclusiva das Lavadeiras e passaram a sê-lo para uso de toda a população local e, devido ao desenvolvimento urbanístico, grande parte deles desapareceu.


As antigas Lavadeiras, que ainda são vivas, recordam aquela época com tristeza. Dizem que as “moças” de hoje só servem para passear os livros e gozarem com quem trabalhou. Pedem que as não deixem ir para asilos que consideram como verdadeiros cemitérios.


Na ausência de um ofício que o progresso das máquinas de lavar e a poluição acabaram por destruir, continuam a lutar para que nem elas nem o passado de Caneças morram.













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