CINTRASEUPOVO

sábado, 14 de agosto de 2010

OUTROS TEMPOS OUTRAS VIDAS


Não vai muito longe em que Lisboa acordava, logo após as primeiras luzes da aurora, ao som do vozerio os saloios apregoando por toda a idade os bens essenciais trazidos do termo com que nutriam as gentes da cidade.

A pé ou em seus burricos, os saloios formavam um tipo sui-generis de graça e cor que há muito o alfacinha se habituara a não dispensar. Lisboa não era só a tagana varina canastreira, mas igualmente a alcandorada saloia garrida. Uma e outra davam vida e movimento ao bem títipo espírito popular.

Neste estudo, apenas indicarei os pregões saloios que Lisboa foi ouvindo ao longo dos tempos, em especial nos últimos 100 anos que vão dos meados do século xix até cerca de 1960. Contudo, não se deve esquecer, como informa Júlio de Castilho, que os pregões de Lisboa são muito antigos e que já no século xvi eram apregoados os produtos vindos nas naus da Índia.

Em 1980 ainda se ouvia, por uma ou outra ruela dos bairros alfacinhas, a voz de uma ou outra velha varina, tentando perpetuar os seus encantadores mas já moribundos pregões ... Mesmo hoje, em 2010, ainda ouço quase fantasmagoricamente, tal a raridade, os pregões de um amolador de facas e tesouras ou de um vendedor ambulante de mantilhas e capachos. São raridades etnográficas em rápida extinção ...

Mas vamos aos pregões que recolhi .


ÁGUA: Áá-Áá ! -Áúúú ! -- Á-ú ! - Áááuga !

ALECRIM : Mér-c Àlecriiim ! --- Mérc-c ò mólho d, alecriiim !

ALHOS : Mér-c á réstia d, ààlhos nóóvos !

AMÊIJOAS : Quem quér a -mêêi-joas, pr, à àrrõz ? ! Amêêijoas pr, àrrôôz !

AMORAS : Riic àmóra da hóórta -- Amóóra - friia !

PITRÓLINO : Azeite, petróleo e vinagre : Azêêêti dôôci ! Aa-zêite dôôce ! Óh -pritróliine

Azêite dôô-ci bom vináágre ! Óh petroliiii-ne ...

AZEITONAS : A trinta réis ô salamiin ! Quem quer azêitõonas nóóóvas ? déz tostões

salamiim ! Quem quer azêitõonas nóóóvas ?!

BROAS : Nem p,lô Natal ... há brõa igual ! Ó meniinas, vinde comprár as brõas do Manél

que curam a tosse -- e sábem a mél !

VASSOURAS, ABANOS,CHAPÉUS DE PALHA :

O abano fáz ô bento - bis, par, ácender ô fôgão ..., báárre, báárre, bassourinha

bis , bassourinha bárr, ô chão ..., Ólh, ò lindo cestinho !!!

FAVAS : Fáva tôrradinha ! fááá-va rii-ca !

FIGOS : Quem quér fiigos, quem quér álmôcáár ? Quem quér fiigos de capa rôôta ?!

Óh figuinhu de capa rôôta !... Quem quér fiigos -, quem quér álmôçáár...!

GALINHAS : Éh ! Galiiinhas! Mérca frâangos! Galiiiiiii-nhas ! Quem nas quér i com ôvo ?!

HORTALIÇAS: Ólh,à cou-ve lombar-da! ; Mérc,à mão de náá-bos! Méérc,ò mólho de náábos

Ólh,ó timááti , quem quér timáááti ? O móó-di cinou-las... Côrteirão de

pimentos ... Ólh, àlfácia, quem quér àlfáácia ? Cá estão nábos, cenouras,

tomátes ou pepinosi tud,ô mais que a hórta dá !

LARANJAS : Mééc, à la-rããnja da chii-na ! Quem quér larããnjas nóóvas ?! é do rããmo!...

Quem quér laranja bõõa ? !

LEITE : Éóóó, chêga lá vaquiii-nha, chêêga ! então estás a fazer-te esquerda ? !

( estas palavras, este pregão de 1900 eram dirigidas á vaca que o saloio trazia

até á porta da freguesa leite mais fresco não havia ... este uso de vender leite

levando as vacas ou as cabras ás portas dos compradores, terminou em 1920,

com proibição imposta por lei, apesar de não serem raras as transgressões. )

MARMELOS : Óólha ô marméé-lo - assadiinho nô fôrno ! Quem quér - ôs ricos marmelos -

assadiinhos no fôrno ? !!!

MELANCIA : Mérc-c ò par de melancii-as ! Mérc-c ò par de melõões ! É da váárzia ...

Melanci, á fááca !

MEXILHÃO : I-érre,I-érre, me-xi-lhão ! prá patroa i pró patrão!


MORANGOS : Mérc-c ò cabáz de môran-gos ! Ólhós môrããngos ! são de Siintra !


OVOS : Mérc' à dúzia de óóvos !


PÃO : Pãizinhos quentinhos -- com linguiiça !


PÊRAS : A vintém o quarteirão ! -- Quem acáb' às pê-ras ? !


PERÚS : Méér-c ' ó casál de perús !... Perú salôôi-ô ! É sa-lôôiô !!!


QUEIJO SALOIO : Méérca ô quêi-jo sa-lôôio ! Quem n'ô quér salôôio ? Ái ! Ô quêi-jô

salôôio ...! Óh quêêijô frêês-co !


REBUÇADOS : A tôstãão , cada matacãão !


TREMOÇOS : Óh tremôô-ço saalôôio ! tremôôç ' salôôi-ô ! -- tremôô-çôs salôôi-ôs !


UVAS : A quin-ze réis - Quem acá-b'àzúú-vas ?! Quem quér úvas de vi-nha !

Quem quér bôô-as úúvas !


Os saloios, depois de venderem as hortaliças e terem almoçado, encetavam o regresso ao termo percorrendo as ruas da cidade apregoando : léév' às fôôlhas - léév' às cááscas ... E as donas de casas davam as sobras imprestáveis do que haviam comprado, pois " não ficavam com lixo em casa ", o qual se destinava aos animais da horta.





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